sexta-feira, 19 de novembro de 2010

viva a alegria

Alegria (crônica)

Alguns domingos são muito chatos, não aquele.

Tudo começou no sábado. Uma estrela despencou do céu bem diante dos seus olhos. Um facho de luz se consumiu no infinito. Sentia-se a escolhida para aquela visão. Quem mais viu? Passou o domingo perguntando a todos que encontrava. Ninguém. Somente ela olhou para o infinito no exato momento em que a estrela escrevia-se no céu, consumia-se e ardia de emoção na moça que a olhava estupefata, de boca aberta, sem saber o que dizer. Minutos depois conseguiu recuperar o equilíbrio e ter a boa idéia de fazer um pedido: saúde, amor, alegria, dinheiro, sucesso?

Para ser mais precisa, tudo começou antes do sábado, na sexta. O dia estava lindo, a casa limpa, o vaso de laço-de-cetim com botões se preparando para abrir, o pé de buganvília com cachos em flor, veranico, céu azul, brisa, comida feita em casa, ouvindo Yes, vinho. Tudo perfeito. Um livro bom lido aos poucos em vários ambientes da casa. Aproveitamento dos espaços, dos silêncios. Tarde da noite, escreveu um conto diferente, ousava numa nova técnica: uma estrela cadente amarrava o desfecho do texto.

O feriado foi na quinta, dia do Corpo de Cristo, mas que seu corpo estava absolutamente cansado, um dia dado a não fazer nada que não fosse estritamente necessário, largou-se lendo pela casa, comendo (saco vazio não pára em pé). Um privilégio de poucos, fazer exatamente o que der na telha num dia hipotético. Até estranhou. Sentiu um certo desconforto no início, quase que inventa obrigações, acostumada às exigências da modernidade, ao peso da cruz. A rede foi ocupada. De lá avistou um bando de aves cruzar em direção ao norte pouco antes de anoitecer. A lua subiu de ponta apagada no céu.

Era para ser um domingo trivial. A cunhada iria ao sítio buscar telas que o irmão havia pintado. Lá havia tangerinas e sol, deu para sentar no chão forrado de folhas e comer uma, duas, quantas quisesse. Depois houve tempo de olhar o córrego deslizar sobre as pedras, ouvir o canto dos pássaros, olhar e sentir as árvores que quase atingem o céu, jogar conversa fora com a cunhada e a prima, quando algo lhes atravessa a tarde e pousa numa árvore próxima. Uma ave, não qualquer ave, um falcão branco de asas azuis, uma águia rara, um gavião? Não sabiam. Bocas comovidas. Tenta se aproximar. Caminha descalça pelo bosque, com cuidado para não afugentar a surpresa. Observa aquele ser outro: ave, vôo, beleza. Então ouve o barulhinho que saía do chão, um farfalhar contínuo e nervoso: formigas, milhares delas migrando sobre o tapete de outono. Milhares de vida ao seu redor. Nenhum carro, nenhum motor.

Na casa da mãe, durante o café da tarde:
- Mãe - diz a filha -, vi um sapo ontem à noite. Um sapo grande...
- É o meu sapo, interrompe a mãe.
Todos se olham embasbacados.
- É, ele está comigo há anos...
Todos gargalham na mesa do café.
- O sapo que viste é gordo, malhado e grande? – pergunta à filha.
- Sim, responde.
- Eu falei. È o meu sapo. Mora no bueiro de dia e passeia de noite pelo quintal... De que estão rindo?

Riam porque estavam felizes. Era domingo. E havia sobrado um sapo velho.

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